Fascínio Sedutor
Trecho do livro Sob os Olhos de Natasha
Proibida cópia, distribuição, comercialização e criação de obras derivadas sem a devida permissão do autor
Por Meh Souza


Quando cheguei ao quarto, deparei-me com Gustavo.
Ele estava a minha espera, com uma expressão triste, parecendo deprimido.
- Você matou a Renata. – disse, como se tivesse certeza disto.
- O que? Claro que não! Eu não fiz isso. – disse desesperada, tentando lhe convencer de que minha mentira era verdade.
- Eu sei que vocês foram se encontrar na Praça da Saudade, ontem à noite. – falou ele, no mesmo tom de voz, sem olhar-me nos olhos.
- Sim, nós nos encontramos, até brigamos. Mas eu não matei ninguém – garanti-lhe – Agora me dê licença...
- Ótimo. Vou embora. Mas esqueça que eu existo.


- Espere! – chamei.
Encarei-lhe. Não conseguia acreditar que ele estava defendendo ela. O pior é que eu não conseguia sentir ódio dele. Pelo contrário, sentia a pele arrepiar ao ver como ele estava meio nervoso em me ver somente de toalha. De forma alguma queria excitá-lo, seduzi-lo. Queria que ele ficasse comigo por sentir a mesma coisa que eu. Queria que ele sentisse por mim o que ele sentia pela Renata. Felizmente, ela não estava mais ali para impedir os nossos caminhos de se cruzarem.
- Eu amo você, Gustavo. – disse, suspirando – Eu sei que você gostava da Renata. Eu nunca desejaria vê-lo sofrer, nem em sonho. Vê-lo assim faz com que eu sinta a sua dor. Compreende?
- Eu... – ele gaguejou e não concluiu a frase.
Não pude evitar o sentimento de satisfação ao ver a expressão de desejo no rosto de Gustavo quando ele levantou os olhos para mim, percorrendo meu corpo e parando em meus olhos. Quantas noites eu sonhei em vê-lo nesta situação!


Ele então dissera tudo o que soubera, expressando sua dor, seu espanto pela forma brutal como a assassinaram. Fingi estar surpresa, fazendo um breve discurso de que eu não seria capaz disso, e ele acreditou veemente em mim. Quando terminei de falar, notei que ele me fitava silenciosamente. Fiquei um pouco sem graça ao não conseguir disfarçar minha respiração forte e meu olhar sincero, entregando tudo o que eu sentia.
- E então, tem algo a dizer?  - perguntei, tentando manter a expressão séria.
- Você... – começou ele, mas parou, engolindo as palavras, como se fosse pronunciar algo errado.
- Fala – pedi num sussurro, aproximando-me ainda mais, olhando seus olhos olharem para os meus lábios.
- Você é linda. – disse por fim, mordendo seus lábios e olhando, pela primeira vez, dentro dos meus olhos.


Naquele instante, o tempo parou. Eu não conseguia acreditar no que ele estava me dizendo, não com as palavras, mas o que estava me dizendo com seus olhos. Foi como se o seu coração tivesse se tornado transparente, e eu pudesse ver tudo o que sempre quis ver. Perdi a fala, simplesmente não soube o que dizer. A pressão fez minha cabeça doer, mas não consegui me mexer. Imaginei que tudo aquilo fosse uma ilusão, mas ele me provou que não ao me beijar.
Sentir seus lábios nos meus me permitiu uma entrada ao paraíso. A emoção foi tanta que, ao fechar os olhos, estava chorando. Fiquei um pouco zonza, por segurar a respiração por tanto tempo. Ele mantinha os olhos bem apertados, não acreditando no que estava fazendo. A chuva começou a cair lá fora, o som dos pingos velozes enfeitou ainda mais o momento. Era o meu sonho se tornando realidade. Senti o toque suave de suas mãos em meu rosto e um calafrio percorreu o meu corpo.


Enfim, nos abraçamos e ele me beijou de verdade, deixando que eu experimentasse algo jamais sentido antes, era como se eu nascesse e morresse ao mesmo tempo. Entregamo-nos aos nossos desejos, retirando os limites da alma. Pela primeira vez, eu podia afirmar, pela primeira vez na minha vida eu estava sendo feliz.
Queria profundamente que nossos corpos se tornassem um só, simplesmente por que temia deixar escapar aquela coisa tão maravilhosa que para mim não tinha nome.


Nossas peles, esfregando-se uma na outra, tornou-se úmidas. Senti um dor, mas era uma dor diferente, pois vinha acompanhada de prazer. Num momento, pensei que não fosse aguentar, que a qualquer instante eu pudesse explodir. Depois percebi que isso era somente o amor, um coração se completando, se enchendo do que é real.
A dor pulsava dentro de mim, mantendo-me excitada. Ele estava ali comigo. Eu podia sentir, mais do que nunca, que ele estava ali. Como quem sente o fogo queimar. Como quem sente o veneno fazer efeito. Como quem sente um corte arder. Como quem sente o prazer da sufocação. Eu estava sentindo amor.


Eu sabia que não existia limites para o perigo. Não estávamos prevenidos. Mas correr riscos era bom. Correr risos era uma atividade que eu gostava de praticar, que se eu pudesse, praticava constantemente.
Aquele momento era nosso, dentro daquele espaço infinito, eu me libertei. Afinal, eu não precisava me silenciar. Era como se eu tivesse deixado de existir. O prazer era tanto que não tinha mais espaço para se expandir.


Tentei colocá-lo para fora num grito. Um grito que vivia dentro de mim. Um grito tão alto que parecia ser expelido feito sangue. Gustavo rasgou minhas roupas, deixou marcas de amor em mim, contemplou meus olhos vermelhos de chorar, tornou a me beijar.
- O negro dos seus olhos é um fascínio.
A paixão era tanta que me arrancou de mim. Pude visitar partes da minha alma que eu não conhecia. Naquele instante, naquela urgência de saciar a fome um do outro, eu me apresentei ao mundo, ao nosso mundo.


Soube que não precisava ter vergonha da nudez, pois ela era calma e serena. E então, nossos segredos se desfizeram. Acabou a perdição. Logo percebi que nunca havia desejado morrer. A sensatez de me esconder dentro de mim não passava de um desejo louco de aparecer para a vida.
Próximo ao ápice, senti que faltava alguma coisa. Certa do que era, arranhei com força suas costas e pedi que me mordesse. Era preciso machucar o corpo para satisfazer a alma. Quando Gustavo me fez sangrar de leve, rompi a última camada do real e deixei de existir.


Abraçamo-nos, ainda ofegantes, e ficamos olhando um para o outro.
- Queria que, assim como foi para mim, esta tivesse sido a sua primeira vez. – desabafei.
- É. – disse ele.
- Mas... Você e a Renata... – disse eu, confusa, evitando olhar para ele.
- Não, nunca.
- Por quê? – perguntei antes de me conter.
Fiquei curiosa, afinal, ter o Gustavo assim, todo meu, sempre fora uma das minhas necessidades mais profundas.
- Porque eu nunca senti por ela o que eu estou sentido por você, neste momento. – revelou, tirando-me o fôlego – É como se estes seus olhos pudessem me cativar.


Senti uma sensação tão boa em ouvi-lo dizer isto que foi como se eu derretesse por dentro. Poucos minutos depois, ele adormeceu. Mas eu não, pois não queria perder se quer um segundo daquilo. Contemplei o seu rosto, o seu corpo. Contornei sua face com meus dedos, brinquei com seus cabelos loiros e macios. Beijei-o na testa, no nariz, na boca e no queixo, suavemente. Passei a palma da mão trêmula sobre suas costas nua. Usei de todo o cuidado para não acordá-lo. Acomodei-me ao seu lado, e ali fiquei, lhe admirando, lhe amando com o olhar.
- Ah, i miei capelli Amato d’oro... – cantarolei em espanhol.


Assim, algumas horas se passaram. Não perdi se quer o movimento de seus olhos se abrindo. Sorria feito uma boba para ele. Era a hora de ele ir embora. Eu não queria que ele fosse. Não queria que ele fosse nunca mais.
Tentei fazer-lhe tomar o café da manhã comigo, deixei a melodia clássica tocar, fiz-lhe relaxar. Mas ele precisava ir. Eu não podia impedir. Porém, lhe fiz prometer que voltaria.
- Eu prometo.
Ele sabia que eu ficaria de prontidão a sua espera. Se ele não voltasse nunca mais, eu definharia assim.


Não demorou muito para que eu conhecesse o outro lado da saudade. Com o tempo, ela parecia se tornar sinônimo de sofrimento, mas no fundo eu sabia que não era. Ainda que ficássemos separados por certo período, a saudade nos deixaria firmes e fortes, trazendo constantemente graciosas lembranças.
 A saudade apenas alimentava o meu desejo de tê-lo para mim, o tempo todo, para todo o sempre. A melhor parte é poder matá-la depois: O beijo fica mais intenso; o abraço, mais apertado.
 Saudade é o sentimento que expressa a ansiedade para um reencontro espetacular. Ela se manifestava entre uma visita e outra de Gustavo. Mas um dia ele não voltou mais.


Não posso contar exatamente por qual motivo, para não dar spoiller do livro. Então pulemos esta parte e voltamos àquela, onde Josefa me salva antes que eu entrasse na escuridão eterna do abismo da morte.
O que Josefa não sabia é que ela estava salvando mais de uma vida.


Há tempo eu sofria com enjôos e mal estar. Um ser se desenvolvia dentro de mim. E fora isso que me dera a certeza de que queria continuar viva. Porque aquele bebê era um pouco de nós dois, um pouco do nosso amor, então era como se eu nunca o tivesse perdido. Eu até já havia escolhido um nome para ela. Ela era o fruto do amor entre Gustavo e eu. Era a minha pequena Sara.


Senhora Josefa me levou para uma mansão maravilhosa.
Sabe aqueles castelos cheio de torres e janelas que a gente só vê em contos de fada? A mansão Magnorim lembrava um castelo desses. Por fora, mantinha o cinza desbotado clássico, antes da entrada havia uma ponte e, abaixo dela, uma lagoa profunda rodeada por um jardim lindo com vistosas macieiras.
Adentro, os móveis refinados e tradicionais eram extremamente delicados, eles estavam dispostos em perfeita harmonia nos cômodos pequenos. Josefa devia ser muito exigente com seus funcionários, pois todas as superfícies eram brilhosas de tão limpas.
 Um andar e outro se ligavam por escadarias curtas, iluminadas pelas luzes embutidas nas paredes. As grandiosas janelas permitiam que a luz do dia invadisse os ambientes. Era tudo lindo, feito casa de boneca.
Como ela não tinha nenhuma herdeira, e eu lembrava muito sua neta, se ela viesse a falecer tudo ficaria para mim.


9 meses. Enquanto passa, passa lento, devagar, quase tormento, me faz sofrer com ansiedade e expectativa, cada minuto significa um pouquinho de vida a mais, e cada dia é um renascer... Assim desenvolve o ser: com eu contando cada fio de cabelo a mais, apreciando a contagem regressiva que fará seus olhos se abrirem... Enfim: cada dia te conheço mais, te vejo mais, te anseio mais, te amo mais.
Todavia, ao nascer, todo o antes parece ter tido pressa para passar, todos risos e descobertas, todas músicas e leituras compartilhadas, tudo se resume a apenas 9 meses. Passo a lembrar de eu abraçando a barriga numa ânsia de te abraçar, e agora sinto o vazio dentro de mim.
Meu amor por meu bebê supriu todas as emoções pelas quais eu já havia passado.


Senhora Josefa cuidava de mim. E como estava com a idade avançada e tinha seus limites de idosa, eu cuidava dela também. Eu cuidava dela como nunca me interessei em cuidar dos meus pais. Talvez por que Josefa fazia disso uma obrigação, e meus pais não, ele se esforçavam ao máximo para não me incomodar.
Com a Sara em nosso meio, passamos a cuidar dela juntas. Essa troca toda de cuidados era uma delícia. Até porque, com o nascimento da pequena dos cabelinhos de anjo, a fase de descobrimentos e surpresas recomeçaram.


Mas então, senhora Josefa se foi e minha estrutura perdeu o apoio. Eu senti medo. Pois agora não tinha ninguém para cuidar de mim, eu tinha que fazer isso sozinha e ainda cuidar de uma menininha, ensinando a ela o que antes eu não sabia que sabia.


Sara O’Delly se tornou uma garotinha linda. Mas eu já não tinha forças. Eu precisava partir, me isolar, me encontrar. E para isso foi preciso deixá-la.
Antes disso, tentei prepará-la para o mundo. Tentei. Ensinei-a a ler, escrever, fazer contas, cozinhar, se virar. Mas ela se agonizava com a minha melancolia constante, afinal, eu nunca deixara de lamentar a morte de Gustavo.
Mas não era culpa minha. A culpa era do gato.

A culpa é daquele maldito gato, ele fingiu ser meu amigo, e olhe só o que fez comigo! Mas não se preocupe Sara, você está fora de perigo, eu já dei um jeito no felino, agora ele dorme no abismo... Imerso na escuridão, onde pagará por seus pecados, não é não?

Esta história foi escrita por Meh Souza, com autorização para postagem no site www.thesimstv.net
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