O Diário de Any Livic

Capítulo 19

Adeus Gerente de Banda, hello Caçadora de Talentos!
Isso significava que essa roupa ridícula, que mais parecia de um técnico de reparos, estava ultrapassada.
Minha missão agora era visitar clubes da cidade em busca de novos talentos. E, se alguém da banda tivesse uma dor de barriga, ou qualquer coisa do tipo, eu tinha que entrar e substituir a pessoa.
Era o mais perto, em tanto tempo, que eu estava dos palcos.

Pode não parecer, mas aquela fofoca boba afetou minha amizade com a Melody.
Ela ficou estranha depois disso. Ficou meio distante, fria...
Nem uma conversa séria que o Matthew teve com ela adiantou.
Ela não quis me contar nada do que eles conversaram e eu também não tive cara de perguntar pro Matthew.
Pra falar a verdade eu nem tive mais coragem de olhar pra ele depois da foto infame do jornal.
Acho que nossa apresentação no Salão Prosperidade melou. Aliás, nem sei mais se a Melody vai querer continuar na banda, pois ela não tem falado mais comigo direito. Nossa amizade agora se resume em “Bom dia”, “Boa noite”. Isso quando encontro com ela pela casa, pois ela fica até tarde nos bares da cidade, e eu chego morta de cansaço do trabalho, vou logo dormir.
Sinto falta da minha amiga. Mas se esse simples boato foi suficiente para abalar essa amizade, então talvez ela não seja assim tão profunda quanto eu achava que era.
Talvez eu devesse voltar pra casa dos meus pais.

Matthew Hamming: Relaxa, Any. Ela precisa de um tempo, só isso.
Any Livic: Mas Matthew, o clima está pesadíssimo!
Matthew Hamming: Eu sei. Ela não fala direito comigo também.
Any Livic: A gente precisa fazer alguma coisa!
Matthew Hamming: Any, você sabe como a minha filha é teimosa. Ainda mais com o que aconteceu entre a mãe dela e eu... É natural que ela fique assim. Calma, com o tempo tudo voltará ao normal.
Any Livic: Mas e a apresentação no salão do seu amigo?
Matthew Hamming: Você pode se apresentar sozinha, se quiser.
Any Livic: Nem! Aí é que a Melody não me perdoaria mesmo!
Matthew Hamming: Bom, então eu falo pro meu amigo arrumar outra banda. Olha, deixa eu aproveitar e te falar uma coisa. Apareceu uma oportunidade pra você gravar um jingle pra uma propaganda no rádio. Parece que vai ter uma versão pra TV também. Eu já ouvi a música, é do tipo chiclete. Vai fazer sucesso! Acho que a sua voz é perfeita pra ela.
Any Livic: Mas é pra Banda?
Matthew Hamming: Que banda, Any? A Banda está em stand by no momento. O jingle é só pra uma voz feminina. A Melody toca bem, mas não tem voz pra isso. Se você não quiser, tudo bem, eu procuro outra pessoa.
Any Livic: Não! Tudo bem, tudo bem... Se você acha mesmo que é pra mim... Então eu vou lá gravar.

E foi assim que eu conheci o dono das indústrias Braffee Glash, e gravei o primeiro jingle deles, que acabou servindo de pano de fundo para todos os produtos que eles lançariam no futuro.

Todas as noites eu perambulava pela cidade em busca de gente desconhecida, mas com grande potencial pra Banda e pra Gravadora.
Claro que também sempre procurava aquele certo rosto familiar... E ele nunca estava lá.
Estava começando a perder as minhas esperanças de que algum dia iria reencontrar o Miguel.

Então eu resolvi ficar na frente da casa deles, escondida. Quem sabe a sorte virava o jogo e eu conseguisse encontrar o Miguel por lá.
Mas nem sabia se ele, ou a família dele, ainda morava naquela casa.
Ela parecia tão abandonada, sem movimentação.

Então um carro se aproximou e eu rezei com todas as minhas forças por duas coisas: a primeira era pra que ninguém me visse. E a segunda era pra que fosse o Miguel.

Mas era o pai dele, o sr. Emílio. Nossa, como ele estava envelhecido!
Fiquei morrendo de vontade de ir falar com ele, saber como estava a Manuella, o Juan... E, é claro, perguntar sobre o Miguel.
Mas fiquei com medo. Não sabia qual poderia ser a reação dele.
Faltou-me coragem.
Quem sabe em uma outra ocasião eu toco aquela campainha e...
Ah, deixa pra lá!

Segui andando pela rua e parei na frente da antiga casa que morávamos.
A garagem, que era metade lavanderia, metade o quarto que dividia com a minha avó e a Julie...
Não pude deixar de me lembrar da praga da minha irmã e da minha mãe tentando quebrar todos os dias a TV de casa, pro meu pai comprar outra...
Fiquei rindo sozinha!
Lembrei do cheiro gostoso que tomava a casa, quando a minha avó fazia panquecas de manhã... Ai, que delícia que era acordar com aquele perfume pela casa!
Se eu fosse resumir tudo em uma palavra, diria: carinho. Tudo naquela casa me lembrava carinho. Até mesmo as brigas com a minha irmã...
Tudo aquilo parecia tão distante agora...

Continuei andando pela cidade e sentei num banco qualquer.
Fiquei escutando cada som, cada buzina de carro, cada voz das pessoas conversando, o vento uivando ao tocar as construções.
Sonhei tanto com o momento de estar ali, no coração daquela cidade maravilhosa, e agora isso tudo parecia tão pequeno perto da solidão que eu estava sentindo.
Será que para realizar nossos sonhos é preciso abrir mão de coisas tão preciosas, como o amor?
Minha carreira na área musical estava crescendo rapidamente, mas a Banda não tinha sucesso algum.
Pelo menos eu sabia que havia sido bem sucedida em uma coisa: dar uma vida melhor para minha família. Saber que hoje meu pai está empregado, e morando todos juntos numa linda cobertura, faz com que eu sinta que todo esse trabalho e sacrifício estão valendo a pena.
Mas de onde continuar daqui? Sinceramente, daqui onde estou, não vejo futuro nenhum com a Banda. Ainda mais agora, com o afastamento da Melody.
Falta muito pouco para eu jogar tudo pro ar e voltar para onde eu me sentia realmente feliz, pois aqui me sinto incompleta, como se a parte mais importante de mim estivesse perdida por aí, vagando por essa cidade enorme, como estou neste momento.

Mas então um novo dia chegou, e decidi que focar no trabalho seria a melhor forma de esquecer dos problemas e seguir adiante.
Lembro que teve um dia que fiquei até mais tarde no trabalho. E foi nesse dia que uma grande oportunidade surgiu:uma compositora maluca estava precisando juntar 100 pianistas para bater o recorde mundial de maior quantidade de pessoas tocando piano ao mesmo tempo. Aí ela me chamou pra tocar junto, lá no cinema Cineplex. Podia parecer pouco, mas para mim, só por ela ter lembrado do meu nome, já foi uma grande coisa!
Não contei pra ninguém que faria essa apresentação. Queria um momento só meu. Queria sentir tudo sozinha: o medo do palco, a excitação nos bastidores... Queria descobrir se ali era mesmo o meu lugar.
Podem me chamar de masoquista... Mas sim, ali era o meu lugar!
Voltei pra casa tão contente, que parecia flutuar do chão. Todo mundo já estava dormindo, então passei bem despercebida, curtindo aquele momento.

Então no dia seguinte eu recebi uma ligação do trabalho: eu estava recebendo uma promoção! Aparentemente aquela compositora maluca do recorde achou que eu tinha talento pra coisa, e me indicou para o cargo de Compositora.
Finalmente alguma coisa boa aconteceu na minha vida!
Mas antes eu teria que fazer uma escolha, que definiria toda a minha carreira: teria que escolher entre o Rock Elétrico e a Sinfônica.
Não tive dúvidas e escolhi o Rock Elétrico sem nenhuma sombra de dúvida!
Não pedi a opinião de ninguém – foi algo que fiz por mim mesma, seguindo meu coração. E isso dava um sabor especial à minha promoção.

A partir daí eu passei a me dedicar exclusivamente à composição de músicas.
Toda noite, quando voltava do trabalho, passava horas e horas tocando piano, ou violão, buscando inspiração.
Mas era difícil me inspirar enquanto sentia um vazio e uma tristeza tão grandes...
Decidi que já era hora de fazer alguma coisa pra mudar essa situação.